quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Colorado Last Chance - Relato 01

kensignton cidade do km 600


desde que comecei a entender o significado de ciclismo de longa distância é que
passei a me sentir confortável sobre a bicicleta e entender como isso me motivava a pedalar cada vez mais.

Esse foi o início de tudo, onde a cada brevet eu me sentia mais confiante, forte e com mais interesse em buscar distâncias maiores.
Após 4 anos praticando Audax, me senti preparado para participar de uma prova de 1200km.

Why Colorado Last Chance 1200k Randonneé?

Por que a opção? porque é uma das mais tradicionais provas de Audax e Randonneé dos EUA. Por que tenho amigos morando perto do local da largada e isso facilitou a logística. Por que me interessou pedalar no deserto do Colorado e o Kansas, onde o senso de auto-suficiência seria colocado a pleno e isso me faria um ciclista mais completo ao final desse desafio.

Vou contar um pouco dessa história. Aos poucos vou postando as histórias em detalhes dos PCs que passei e os momentos que passei nessas 67:36.

Planejamento

Comecei a organizar esse desafio ainda em 2007, depois da prova de 200Km em Santa Cruz do Sul, já do calendário de 2008.
Com a meta traçada passei e encarar todos os brevets do ano que tive agenda. Paticamente todos.

Pelo calendário de provas no Brasil as provas de 400km e 600Km no RS não davam certo em relação a data do Last Chance 1200k. Isso fez com que eu tivesse que viajar ate Curitiba para buscar o brevet de 400Km por lá. E assim o fiz. A prova de 600Km foi realizada pelo grupo Santa Ciclismo em Santa Cruz, em carater extra. Pedalamos o brevet de 600Km dia 02 de agosto com 8 ciclistas buscando a série 2008 Brasil e me proporcionando estar presente no mês seguinte nos USA, CO para o tão sonhado brevet 1200Km.

Colorado Last Chance

Cheguei uns dias da prova. A altitude no Colorado é de 1600m do nível do mar. meus planos eram dar um giros pelas Rocky Montains para fazer um pequeno turismo sobre 2 rodas, tirar umas fotos e sentir o oxigênio. Pois bem.. senti mesmo. o fôlego faltou muito cedo. A umidade relativa do ar, alguns dias ficava em torno de 10 - 15%. Loucura, boca seca, pele seca. Passava tomando água e não suava nunca. Foi bom ter ido para o Colorado uns dias antes. Assim meu corpo se adaptou ao ambiente e o tempo maluco, ops seco.

Para vcs entenderem um pouco, Boulder (Lousville) cidade da largada fica ao pé das Montanhas Rochosas. Montanhas ao Oeste. Leste uma planície em direção ao Kansas. A prova é em direção ao kansas sentido Leste. Poucas curvas tem o percurso, mas o lugar é muito bonito, uma região de poucas árvores mas com plantações e criação de gado abundante.

A prova

Dia 10/09, 02:30 da manhã um pequeno briefing, ao estilo classico. todos os ciclistas clipados no estacionamento do Hotel e o John dava os últimos avisos. Um me marcou: "Pessoal, estamos indo para a terra dos tornados. Então a cada cidade que vcs passarem, perguntem para os locais sobre o tempo. Eles sabem informar se não tem ou vai haver formação de tornados." Aquilo pra mim foi diferente ao mesmo tempo impressionante.

Primeiro dia (estágio 1) fiz média geral nos 404km de 31.5km/h e levei 15:40 horas até Atwood. Nunca pedalei tão rapido um 400 antes. Isso me deixou mais contente e confiante por que sabia que teria tempo suficiente para descansar se quisesse. Esse dia foi o dia que me alimentei mal. Errei com a alimentação. Muitas vezes me sentia fraco, mas com energia de reserva, usei muito energia acumulada e me desgastei muito. A parada para descanso de 4 horas em Atwood foi fundamental para recuperar e me alimentar. Nao consegui dormir nada. somente me deitei e relaxei na cama.

No segundo dia (estágio 2) sai as 11:00PM. Pedalei mais alimentado e mais consciente que teria que me alimentar em cada pc que cruzasse. Foi o que fiz, alimentaçãoo em dia e hidratação, pedalei os 380Km sem problemas e cheguei de volta a Atwood passado as 17 horas da tarde. Isso me fez ficar com a Daniela e a Vitoria (esposa e minha filha que estavam no Hotel-pc ponto estratégico da prova me esperando e me dando um grande apoio.) Fiquei algumas horas descansando -5 horas- e não consegui dormir novamente. Apenas relaxei e me alimentei muito.

Terceiro dia, sai para o terceiro estágio com um sentimento que chegaria rapidamente em Byers (280km). Mas não foi bem assim, as coisas mudaram bastante. Sai 10:45PM onde nas primeira horas era apenas eu e o som da catraca da bike, o vento, a escuridão, luzes ao longe e a cada kms a frente mais longe as luzes estavam. algo impressionante, mas que falarei em um post específico sobre isso. Terra muito plana nessa região, podia ver o ceú. porém o céu estava nublado e somente via colorações no céu muito diferentes do que ja tinha visto. (Bom dai nao sei se era o cansaço ou se estava vendo coisas mesmo)

O sono veio como uma paulada pra mim. me venceu. andei por alguns kms e sentia que estava dormindo sobre a bike. comecei a ficar preocupado. O ritmo baixou muito. Andava a menos de 10km/h pois nao consegui administrar a situação senti que o corpo havia respondido ao fato de estar 2 noites sem dormir. Sozinho pensei, vou parar uns minutos. Quem sabe deitar no acostamento. Mas lembrei que no briefing falaram que haviam cobras a noite e não era uma boa dormir no acostamento. Como nao havia nada, cidade, parada de ônibus, nada mesmo. Me restou fazer a técnica de parar uns segundos baixar a cabeça deixar o sangue circular mais sobre a cabeça e continuar. Fiz isso por horas até começar amanhecer. Amanhecendo o corpo responde melhor a luz do dia e me manteve na prova, onde voltei a girar como estava fazendo os primeiros dias.

Porém, ao amanhecer, começou a chover uma chuva fina e muito mas muito gelada. Nao trouxe do Brasil casaco para chuva forte. Apenas uma jaqueta de goretex mas que era própria para chuva. Nao sabia quanto tempo ela me manteria aquecido da cintura pra cima. Ainda tinha uns 150km até byers e sabia que seriam com chuva. Concentrei e pedalei sobre aquela situação. Para minha surpresa a jaqueta é 100% nao deixou penetrar água e me mentive quente.

Vento contra: para completar o cenário o vento virou, mas virou com força. Um Vento contra, constante. Algo para deixar qualquer psicológico a beira de um ataque de nervos. Girei por mais de 150km sobre vento forte. A média caiu muito. Minha previsão era chegar a Byers entre 11-12:00, mas acabei chegando depois da 01 da tarde. Molhado, cansado, exausto, abatido. Foi o momento de pior sensação da prova. Daniela e a Vitória estavam me esperando neste PC e relataram que a minha expressão era de luto. (hehe) As últimas 30 milhas ate Byers foram com certeza o pior pedal no sentido de dificuldade que já enfrentei até hoje, pois já estava com mais de 850Km pedalados e o tempo não colaborou nada nesse momemento da prova.

Tive problemas com a chuva até byers eu acabei me assando. Da cintura pra baixo o corpo molhou e dai a bunda não aguentou. Senti muitas dores. A cada pedalada era um gemido de dor. Foi muito dificil mesmo.

Nesse momento analisei o que faria. A decisão foi tomar um banho quente na estrutura que a organização nos disponibilizou e me alimentar muito bem para fazer os últimos 160km direto sem dormir. Era um Hotel muito simples, mas que tinha um banheiro limpo para poder esquentar o corpo. Passar pomadas no bumbum e calça e bermuda (proteção dupla) para fazer esse último trecho com menos dores.

Tempo da prova: pedalei muito bem até o km 1040 (apesar o mau tempo até Byers). No ritmo que vinha daria para continuar fazendo a prova com folga.

Meus planos conforme havia pensado era de fazer a prova em 4 estágios. 1 por dia. Porém, mudaram conforme a prova evoluiu.

estágio 1: 404km
parada em Atwood para descansar 4
estágio 2: 360km
parada em Atwood para descansar 5
estágio 3: 448km
** parada em Byers apenas para banho e alimentacao reforçada (km 280Km). faltando 168Km até o final.
até o fim

Daqui pra frente pedalei os kms finais com Vincent, de Seatle. Grande amigo que fiz durante a prova. Foi muito bom ter companhia para os kms até o fim da prova. Fomos conversando e contando piadas. Conversamos sobre o Cascade 1200km próximo da onde ele vive. Lá tem outra opcão de pedalar 1200Km. Outra prova tradicional nos EUA. Encontramos um Zorro por aqui também, que nos correu numa subida. Enfim, nesse momento me senti mais em casa. hehe... A chuva e o vento deram uma trégua e as coisas melhoram em relação ao desgaste fisico de estar molhado e pedalando com vento contra. Esse trecho fizemos bem tranquilos, sem apertar o pedal. foi um passeio. Estavamos alimentados e com corpo aquecido.

A pomada e a proteção dupla durou até mais ou menos 100Km. Os 60km finais foram pedalados em pé praticamente, quando havia subidas fortes eu dava graças a Deus para ficar em pé.

Para concluir a prova precisavamos passar antes de ir ao Hotel, na casa do organizador da prova e colocar o passaporte numa caixa q havia disponível em frente da casa dele. Ao chegarmos lá, em torno de 22:30 tivemos a surpresa dele abrir a porta e nos recepcionar. Foi um momento de alegria, relax, felicidade e euforia, pois estávamos concluindo o brevet 1200km naquele momento. 2 riders chegando juntos ainda com um bom tempo para poder fazer os últimos kms até o hotel. A pé, caminhando se assim o quisessemos. Mas não!! Giramos ainda até o hotel e concluimos os 1212Km girando sempre.

tempo total: 67:36
2 pneus furados: km 180 e km 530
muitos novos amigos. muita experiência vivida e aprendida.


Roberto Trevisan
Randonneé 1200Km - Colorado Last Chance 2008.